Por que certas pessoas têm cárie mesmo escovando bem os dentes?

É oficial: alguns azarados terão mais cáries do que o resto da população, ainda que escovem os dentes e passem fio dental direitinho. E são vários motivos por trás disso.
Comecemos pelos micro-organismos que vivem na boca. A tal microbiota da região, assim como a intestinal, passa por um período de formação na primeira infância, quando os dentes estão começando a nascer. Trata-se de um momento crucial. Se alguma bactéria agressiva for transmitida para a criança, ela poderá ter um perfil de microbiota que favorece as cáries durante a vida.
Outro ponto é a dieta açucarada desde cedo. A lógica aqui é que o paladar, acostumado com a doçura, passa a exigi-la em níveis cada vez maiores. E o indivíduo que come mais açúcar vai ter maior risco de cáries mesmo com uma higiene boa.
Veja: o açúcar – seja o puro seja o adicionado em itens industrializados ou em preparos caseiros – é o principal alimento dos micróbios do mal que habitam nossa boca. E nem sempre conseguimos eliminá-lo por completo ao limpar a arcada dentária.
De olho na saliva
A boca seca é outro fator de risco para as danadas aparecerem. Como a saliva tem efeito protetor, sua ausência abre caminho para a desmineralização do esmalte do dente, espécie de etapa anterior à cárie.
Tanto que é pior comer doces tarde da noite. Perto da hora de dormir, o fluxo de saliva diminui. O sumiço do líquido pode ser causado por várias condições, do uso de certos remédios ao hábito de respirar só pela boca. A pessoa, nesses casos, pode fazer um teste que analisa o fluxo salivar e, a partir daí, investigar os motivos.
Papel genético
No início de 2017, um estudo da Universidade de Zurique, na Suíça, identificou possíveis genes responsáveis pela formação do esmalte, camada protetora do dente. Essa estrutura é o primeiro ponto de ataque das bactérias. A hipótese dos pesquisadores, testada em roedores, é a de que mutações nesses pedaços do DNA fragilizariam essa cobertura e, assim, pavimentariam a estrada para os futuros buracos.
“Já observamos que, por motivos genéticos ou traumas pontuais, algumas crianças e até adultos apresentam problemas na estrutura do esmalte”, aponta Marcelo Bonecker, odontopediatra da Universidade de São Paulo. “Ao invés da superfície ficar lisa e brilhante, como deve ser, acaba porosa e irregular, o que facilita o acúmulo de bactérias e açúcar na superfície do dente”, emenda.
Esses casos são detectados no consultório odontológico – ora, as alterações são bem visíveis aos olhos dos profissionais. A partir daí, começa um trabalho preventivo para impedir que novas cáries deem as caras.
“O tratamento varia de acordo com a fragilidade do esmalte. Ele pode envolver aplicações de flúor no consultório ou até, em casos mais profundos, o uso de uma película de resina para criar uma barreira mecânica no local”, detalha Bonecker.
É cedo, entretanto, para dizer que os genes encontrados por aqueles cientistas suíços são os culpados por essa vulnerabilidade. O estudo foi feito com animais e o achado precisará ser confirmado com novas pesquisas. A propensão existe, garantem os especialistas, mas, por se tratar de uma doença multifatorial, é difícil estabelecer as causas.
Além disso, em um país com prevalência tão alta de cárie por questões como distribuição de flúor e pouca higiene, culpar o azar por problemas de saúde bucal é no mínimo um exagero.
O principal é o estilo de vida
Comer muito açúcar e não escovar o dente são, sem a menor sombra de dúvida, os grandes culpados pelas cáries. Como a placa bacteriana é o estopim que leva à cárie, dificilmente alguém que se alimente de maneira equilibrada e tenha uma boa higiene desenvolverá a encrenca.
E um recado para quem negligencia a escova e se vangloria de não sofrer com cáries: você poderá ter mau hálito e doença periodontal, males causados por outros tipos de bactérias. Sim, a falta de higiene e de visitas regulares ao dentista sempre vai cobrar seu preço.

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